quarta-feira, 28 de março de 2012

Cotidiano latino-americano

Já dizia o grande Belchior lá no ano de 1976 "sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, vindo do interior", frase esta que completa a resumida descrição da minha vida, mas que muita gente se encontra descrita também neste trecho musico-poético.

Todavia, não é só isso. Acordamos cedo, vamos labutar nosso turno pra ver o chefe dinheiro no final do mês para pagar as despesas, para ter um pouquinho que seja de lazer, talvez tomando uma cerveja no final de uma sexta-feira ensolarada com alguns amigos, ou para pagar parte do salário dos professores que nos ensinam o que exercemos como profissão, ou para juntar os suados mangos para comprar aquele desejado carro esportivo, que não está ao nosso alcance então nos resta comprar aquele Opalão azul quatro portas ano mil-novecentos-e-guaraná-com-rolha - meu desejo juvenil de consumo - ou para dar entrada na necessitada casa própria, enfim... cada um de nós tem sua finalidade de gastos, mas no fundo, sempre ficamos com a corda no pescoço e o mês é demasiado grande para o salário...

"Estuda meu filho, estuda pra um dia ser alguém na vida". Obrigado, mãe, pela sábia frase dita não poucas vezes durante minha pequena estadia na sua casa beirando uns vinte e tantos anos de moradia. De fato estudei, estudamos, perdemos noites de sono para entregar trabalhos de faculdade e cá estamos hoje, com a corda no pescoço novamente, um tantinho mais folgada, mas ainda está no pescoço.

Não conseguimos simplesmente estudar para enriquecer, para termos o carro que dará inveja aos vizinhos, brilho nos olhos paternos e orgulho nos maternos. Conseguimos, no máximo, algo que se enquadre, de certa forma, no "suficiente". O resto do salário vai para o governo, vai para o pós-faculdade, pois nunca podemos parar de estudar. Enquanto paramos, há um oriental metendo informação na cachola e vai te deixar para trás na primeira oportunidade de emprego, pois ele estudou e você sequer terminou a faculdade tirando a nota mínima. Ou há um norte-americano que teve a chance de estudar até os 30 anos de idade e não precisou sequer engraxar os sapatos, pois seu "padrão de vida" nos difere, nos separa e nos causa desejo.

Os livros estão aí na estante, ainda não consegui ler todos os romances que trazem estampados em forma de conjunto de letras por suas diversas e  diversas páginas. Não há tempo suficiente para isso. Enquanto paramos para ler romances, há um oriental metendo informação técnica na cachola e te deixará para traz na primeira oportunidade de emprego, pois ele estudou e nós ficamos lendo romances. Isso é importante? É importante ler romances? Logico que é seria (?), se tivéssemos tempo hábil para isso, se pudéssemos parar de estudar um dia e curtir a vida adoidado.

Aliás, este ponto é um ponto interessante que eu gostaria de enquadrar neste post: lembro meu pai chegando no final da tarde do seu suado emprego e podendo fazer o que bem quiser depois disso. Se quisesse tomar cerveja até cair, ele poderia. Se quisesse ir jogar bola com os amigos, poderia. Se quisesse sair caminhando com rumo ignorado também poderia. Também poderia estudar, mas não necessitava. Não era psico-socialmente obrigatório continuar estudando eternamente até morrer naquele tempo. Não havia essa prisão estudantil que temos hoje, pois naquela época já existiam orientais metendo informação na cachola, mas hoje é diferente. Não posso simplesmente me dar o luxo de jogar bola quando eu bem quiser. Tenho meus deveres, fico um pouco mais no trabalho às vezes, pois preciso temer que eles conheçam o maldito oriental cheio de informação técnica na cachola e me deem um belo pé-na-bunda ao me trocarem pelo próprio. Quero deixar bem claro aqui que meu querido pai sempre foi muito responsável (e ainda o é), priorizando sua família sempre. Mas que poderia sair e jogar bola, poderia, pronto!

Pra finalizar este post, para não ficar tão chato extenso, resumida-conclusivamente falando, nossa vida está uma bosta loucura. Dá até para colocarmos no liquidificador algumas canções como a citada no começo do texto "Apenas um rapaz latino-americano" com "Metamorfose ambulante" com "Como nossos pais" com mais algumas letras e melodias encaixadas por mentes elevadas de cantores e compositores, como os compositores destas canções, e implodir nossa vidinha neste buraco negro e desconhecido chamado "cotidiano", um cotidiano latino-americanizado.


Fonte: http://365cancoes.blogspot.com.br/2010/06/177-apenas-um-rapaz-latino-americano.html 

2 comentários:

  1. Excelente Post Brock.
    Hoje sobrevivemos uma "selva de pedra". o que fazemos uns aos outros não é diferente do que os animais irracionais fazem numa selva. A única diferença é a sutilidade.
    Veja que escrevi SOBREvivemos pois acredito que pouquíssemas pessoas VIVEM de verdade. A grande maioria de nós está apenas sobrevivendo e se auto-iludindo achando que está feliz ou fingindo. Veja que não é uma crítica a quem se auto-ilude, talvez seja a única forma de SOBREviver.
    É muito difícil olhar por cima do muro, eu olho e vejo a realidade é isso infelizmente desmotiva.
    Mas não podemos desistir nunca. E são pessoas como você que ainda me fazem acreditar na espécie humana.
    Abçs,

    Parabéns por mais um EXCELENTE post.

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    1. ...e embora [sobre]vivamos no "suficiente" somos, de certa forma, felizes. Nosso atual governo não nos permite muito mais do que isso, mas é como um grandioso sábio, que já partiu dessa, disse certa feita: "...isso também passa". Outro, grandiozíssíssimo, também disse: "...a felicidade não é deste mundo.". Nem sei porque a procuramos tanto!

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